TRIBUNA SOCIAL
As senzalas estão enormes e cada vez mais inchadas. O meu gueto é uma lenda; só existe nos fatos, nos retratos, nas notícias e gazetas. Entre paus, pedras, tijolos, rebocos e bostas de pombos, nos erguemos em constantes tombos. Tiros são ruídos costumeiros aos ouvidos dos engaiolados; as balas passam tão rápidas que ajudam a refrescar em dias quentes. Um morto na esquina se mistura ao lixo; amanhece com a boca cheia de formiga; ninguém vê, ninguém viu, ninguém quer saber. O morto é um indigente: não estudou, vagabundou, foda-se. Já na Casa Grande o morto é celebridade. Manchete! Culpa da polícia. Da Dilma. Da crise. O morto na rua é um escândalo. E você, bacana, foge de sua rua recolhido na proteção do vidro fumê. Eu amo a rua! Ela é minha sala de estar. A aristocracia flutua pela urbe em rápidas gotas metálicas, desprezando minha casa como se a mesma não existisse. O que não sabem é que seus filhos escutam músicas criadas em minhas quebradas. As minorias sociais urram poesias nos fones de ouvido dos cidadãos, do metrô ao ofurô. Problema meu? Problema seu, dos seus filhos, falta solução para o seu futuro. Periferia é onde fica seu sítio, marginal é a via que cola nas tangentes de vias expressas. Minha quiçaça está no âmago da metrópole, na serra escancarada da vista de sua varanda. Aliás, minha vista é melhor que a sua. Na verdade, a terra não me pertence; eu apenas ocupo por falta de espaço na colmeia. Você pode até achar que não venci porque não quis, que a oportunidade existe pra todos. Não! Brother meu ganhou prêmio de matemática e está vendendo coxinha na padaria ao pé do morro. Coxinha! Não senhor, minha favela não é apenas um problema. Minhas favela não é seu quintal de serviçais. Minha favela é um retrato social. O retrato musical e artístico. O retrato da expressão do proletariado baixo. O avesso inverso desrevestido do Brasil.
© Charles Tôrres / BH - Uma Foto por Dia
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